segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Faixa 21 (o meu calhau é maior que o teu)

Depois de um fim-de-semana de descanso e meditação aprofundada sobre as razões que levam dois jogadores de bola a insultarem-se mutuamente diante de uma dezena de câmaras de TV, está na altura de cumprir o prometido, revelando ao mundo o que é afinal o “calhau”.
Antes de mais é preciso dizer que Mafra é uma terra de algumas lendas, as maiores sempre tiveram sobre a terra uma carga depreciativa:
- És de Mafra? A terra dos ratos!!!
- Mafra??? Fiz lá a tropa!
- Puta-que-pariu a Mafra, quando lá tive de ir para entrar no inferno saí na estação de comboios de Mafra e tive de andar uns sete quilómetros a pé para lá chegar!
Esclarecendo, Mafra não é uma cidade onde se “aterre” a 40 quilómetros do centro da metrópole, nem é uma cidade sequer, mas é verdade que durante anos muitos foram os mancebos cuja primeira praxe enquanto militares foi esta, a estação de comboios de Mafra não fica de facto em Mafra, fica antes em Mafra-Gare, ou Estação de Mafra, como aparecia nos horários dos comboios há uns 50 anos, e é verdade que dista uns bons sete quilómetros da Mafra verdadeira. Num tempo em que os carros não eram sequer um luxo ainda, está bom de ver a quantidade de gente que o primeiro contacto que teve com Mafra foi uma caminhada.
Também é verdade que nos anos 40 do século passado nasceu a lenda dos ratos de Mafra, ratazanas tão grandes como cães, tão ferozes como leões, tão violentas que comeram dois soldados da EPI (Escola Prática de Infantaria), roupas incluídas, que por azar caíram nos subterrâneos do Palácio-Convento. Durante anos muitos foram os relatos desses seres formidáveis que habitavam o nível inferior da obra de D. João V e uma das peças de engenharia mais notáveis do Palácio, uma rede de subterrâneos que era também uma mega-conduta de abastecimento e transporte de água, numa altura em que as redes de água canalizada eram apenas uma miragem. Hoje já quase caiu no esquecimento mas durante anos foi um cartão-de-visita de Mafra.
Fazer a tropa em Mafra era frequente, a EPI como orgulhosa casa-mãe da Infantaria, chegou a receber turnos de 3 mil soldados (ou feijão-verde como a malta da terra lhes chamava). O quartel de Mafra tinha fama de ser duro, uma recruta em Mafra valia por dez noutro sítio qualquer, talvez por isso tenha nascido outra designação para a EPI – Entrada Para o Inferno.
Ora a EPI ocupa parte do Palácio Nacional de Mafra, as camaratas da “magalada” ficavam quase todas dentro do monumento, no verão não era mau mas no inverno muito frio se passou ali. Está bom de ver que os soldados, grande parte deles, não gostou da sua primeira passagem por Mafra, mas muitos deles ainda hoje cá voltam para fazer o regresso à casa onde se tornaram homens, e rapidamente trocaram o pomposo desígnio de Palácio Nacional de Mafra por outro menor mas de grande significado: Calhau.
Para as pessoas da terra é hoje o termo carinhoso para chamar ao monumento. Nos tempos em que a câmara municipal, o tribunal e a PSP também ali tinham as suas instalações era frequente ouvir-se: Tenho de ir ali ao calhau tratar de uma coisa (câmara municipal) ou, lá vai o gajo passar a noite ao calhau (PSP), ou ainda, malta amanhã temos festa no calhau (tribunal em dia de julgamento grande, tipo Padre Raposo).
Como se costuma dizer calhaus há muitos, mas como este só nós é que temos!



P.S. Para quem se interrogar sobre qual é a banda sonora desta faixa deixo-vos duas opções: Carmina Burana ou...

4 comentários:

POS disse...

Ah, estou esclarecido. Afinal, o desmesurado calhau do Saramago é, apenas, uma lasca do verdadeiro e único Calhau!...

Hélder Franco disse...

Nem mais, caro pos. Acredito até que depois de uma primeira passagem por Mafra inscrita na obra "Viagem a Portugal", lançada em 1981, Saramago fez a pesquisa para o Memorial do Convento, publicado um ano depois.

Ulisses disse...

Gostei da história dos ratos do tamanho de leões!

Hélder Franco disse...

LOL... Caro Ulisses, um destes dias você ainda me vai explicar o que é o Power Metal Tupiniquim :)